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quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Se eu Soubesse…



Se eu soubesse quando era criança, quando era adolescente, o que eu tinha. 

Mas, naquela época, eu só queria crescer, só queria ser independente, só queria a porta fechada do quarto sem ser incomodado. 

De tanto olhar para a frente, eu não via o que estava ao meu lado. Permanecia sem noção do que acontecia, da raridade daquele momento. 

Eu vivia o auge da família. Todos estavam presentes, todos estavam vivos, todos estavam em casa. Nunca mais seria assim. Nunca mais teria os irmãos disponíveis no mesmo espaço, nunca mais teria os pais acessíveis, nunca mais teria a facilidade de reunir a turma inteira ao redor da mesa. Nunca mais contaria com os avós conosco. 

Não havia ainda morte, doença, divórcio, crise, dívidas, medo, adeus, silêncio pesado, cadeiras vagas. 

Eu jurava que nada mudaria, que os laços se manteriam constantes e inabaláveis, que o sofá continuaria cheio e disputado na frente da televisão. 

Como os domingos se mostravam parecidos, não achei que fossem acabar. Sempre existia churrasco com o povo dançando, rindo das implicâncias de geração. 

Acreditei que não precisava me preocupar com a minha presença. Não faltariam novas chances. 

Confiei na fartura e agora me prendo à nostalgia. 

Se eu soubesse o que sei — que aquele período era uma exceção, não uma regra —, não me apresentaria emburrado, alheado, distraído. Eu me demoraria nas cenas, eu prestaria muito mais atenção nas conversas, eu gravaria detalhes das feições à minha volta, eu não me economizaria: estaria imerso e inteiro nas palavras ditas, ouvidas, armazenando saudade para os dias solitários do futuro. 

E pensar que o que mais desejava era comer rapidamente e me despedir, sair correndo em direção aos amigos da minha idade. 

— Já vai embora? Já acabou de comer? — minha mãe perguntava.

Nem respondia, ocupado com os meus sonhos. Levantava-me com pressa de ser feliz, e não percebia que esnobava a felicidade que não se repetiria depois.

Como gostaria de hoje recuar e voltar pacificado para o almoço, prolongando um pouquinho mais a duração dos encontros na minha memória.

Família representava caretice, obrigação, formalidade, normalidade imposta. 

Como eu me encontrava equivocado. Como eu me encontrava desinformado do destino. 

Os irmãos começariam a desocupar os dormitórios, a ir para longe, a espaçar as visitas, a devotar seu tempo integralmente ao trabalho, a equilibrar romance com carreira, a se atolar de preocupações, a cuidar da sua autonomia, a formar a sua própria família. 

Os avós morreriam, os pais envelheceriam, cada um se esconderia no seu canto. 

Jamais recuperaríamos a presença de todos, com os cotovelos próximos, apertando-se para caber na mesa, com a simplicidade bonita de olhar o passarinho para a fotografia. 

O ninho ficou vazio, os passarinhos voaram…

Fabrício Carpinejar 
Em sua coluna no Jornal ZH🍃

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