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quinta-feira, 27 de março de 2014

Ignorância e cultura


Somos maniqueístas: acreditamos que o mundo se divide entre bons e maus. Também acreditei nisso por algum tempo, até que passei a questionar esse julgamento.

Quem seriam os bons? Pessoas que nasceram com a alma limpa, abençoados por alguma loteria divina? E os maus? Vieram ao mundo com a alma já podre, sem chance de recuperação?

Bons e maus servem para classificar heróis e bandidos de cinema, num simplismo que facilita a decisão sobre para quem devemos torcer. Mas não é assim na vida. Claro que há muita gente maldosa no mundo, mas nem sempre é por deformação congênita. Prefiro pensar que pessoas são ignorantes ou cultas, e é isso que definirá suas atitudes e seu futuro.

Não que uma pessoa culta não erre. Ela erra, e pior, tem consciência do erro, o que a torna ainda mais passível de desprezo. Você já deve ter pensado: como uma pessoa que estudou numa universidade e teve opções que poucos têm de evolução profissional opta por roubar e até matar? A avaliação de sua índole (ou de sua patologia) exige uma severidade maior do que aquele que nasceu e foi criado ao léu, sem orientação, e que faz o que faz em razão de seu vazio absoluto.

Em geral, crianças que foram criadas num ambiente onde se privilegiou o acesso à educação, à música, à literatura, à informação, à filosofia e à psicologia (ou, mesmo na falta disso tudo, que foram criadas com ética) saem em vantagem. Abraçam as diferenças com tranquilidade e enxergam o mundo de forma mais ampla e generosa. Há grande chance de, quando forem pais, não criarem filhos homofóbicos, inseguros ou necessitados de muletas religiosas: a religião servirá como um conforto natural, não como uma lavagem cerebral. O universo culto permite que conheçamos várias alternativas e optemos pelo mais produtivo: agir de forma responsável e serena, fazendo o possível para acertar.

A ignorância, ao contrário, produz aflitos. Abandonados pela falta de critério, de instrução, de respostas e de conhecimento, vivem de duas formas: ou confinados num mundo “quarto e sala”, sem perspectiva e sem diálogo com o universo lá fora, ou vão para a rua insanamente à procura de algo que justifique sua existência, e não dispondo de nenhuma transcendência que dê sentido à vida, agem por impulso e desespero: terreno fértil para escolhas insensatas e, em grau mais elevado, para a violência e crueldade.

Não acredito em bons e maus por uni-duni-tê celestial. Acredito em gente que teve chance de crescer através do amor e da educação, e gente que não recebeu os devidos fundamentos de pais, avós e do próprio Estado. Fazem besteira por não terem sido apresentados a outras vias de expressão.

Ao menos prefiro pensar assim, pois o inculto pode ser recuperado; o perverso, dificilmente.

Martha Medeiros
Fonte Clic RBS



2 comentários :

  1. Compartilho dessa explicação para as desigualdades de caráter e cultura...... "O homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe" Russeau

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  2. Gosto muito do ponto de vista! Julgamentos não alcançam a verdade... "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é"
    (Chico Buarque)

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