Como seria olhar para nós mesmos com os olhos dos outros?
O que eles vêem que não queremos ver?
O que evitamos admitir?
Quando a crítica alheia nos agride, temos a oportunidade de reconhecer nossos pontos sensíveis. Tão sensíveis e frágeis que evitamos a todo custo tocá-los. Esses pontos são lugares escuros dentro de nós, nos quais receamos entrar e nos perder: emoções semelhantes a labirintos que nos confundem cada vez mais, sempre que penetramos neles. Por isso, costumamos simplesmente dizer: Ele não podia ter dito isso... não suporto ser vista assim.
Nesses momentos, o olhar daquele que nos agride chega até nós como um peso capaz de nos afundar. Ou seja, não suportamos a crítica alheia porque ela nos afunda na medida em que perdemos a capacidade de nos auto-sustentar.
Quando uma crítica nos deixa indignados, temos a oportunidade de saber um pouco mais sobre nós mesmos. Neste sentido, a desagradável e irritante crítica alheia pode se tornar uma brecha para encararmos de frente aspectos que antes negligenciávamos.
Por isso, quando o golpe nos fere é hora de parar de lutar: deixar o outro partir como vencedor, para cuidar urgentemente de nós mesmos.
Abandonar a luta significa decidir abandonar certas emoções e priorizar outras. É como largar a raiva em prol da clareza interior. Enquanto ficamos presos pelos ganchos da indignação, estamos atados ao olhar alheio como fonte de orientação. É preciso largar o outro, para recuperar a si mesmo.
Quando nos liberamos da carga extra, tocamos o que é essencial. Quando paramos de nos esforçar excessivamente, tocamos a energia básica que nos sustenta naturalmente.
Emoções desconcertantes são como águas turbulentas: se as engolirmos, poderemos morrer afogados. O segredo é boiar para não afundar: entregar o corpo e a mente às águas turvas da emoção. Quando boiamos, reconhecemos que nossa fragilidade não é mais uma ameaça, mas um passo inicial para entrarmos em nós mesmos. Afinal, só podemos superar nossos bloqueios se pudermos aprender a reconhecê-los como limitações possíveis de serem transformadas.
O mero ato de perceber com mais clareza a nossa real condição já dá início a uma possível transformação.
Chögyam Trungpa nos alerta, em seu livro Muito além do divã ocidental (Ed. Cultrix):
O problema surge quando tornamo-nos ambiciosos demais ao lidar com nossas emoções - especialmente se estamos envolvidos na pratica espiritual. Dizem-nos que devemos ser pessoas boas, gentis, afáveis. São idéias convencionais de espiritualidade. Quando começamos a perceber qualidades desagradáveis em nós mesmos, encaramo-las como antiespirituais e tentamos expulsá-las. É o maior erro possível quando trabalhamos com nossos padrões psicológicos básicos. Sempre que tentarmos expulsar os problemas maiores e buscar uma cura radical para eles, somos rechaçados e derrotados. A idéia não é nos induzir a criar uma espiritualidade utópica, mas tentar observar os detalhes das emoções mais intensas, as qualidades dramáticas das emoções. Não é preciso esperar por situações que consideremos importantes e significativas para nós, devemos aproveitar até mesmo as menores situações em que as emoções ocorrem. Devemos trabalhar com as irritações menores ou menos importantes e suas qualidades emocionais específicas. Não se trata de suprimir ou desprezar as irritações, mas de passar a fazer parte delas, perceber suas qualidades abstratas. Com isso, as irritações não terão ninguém para irritar. Podem desaparecer ou transformar-se em energia criativa. Quando somos capazes de trabalhar, tijolo por tijolo, essas emoções menores e aparentemente insignificantes, em algum momento constatamos que, removendo os tijolos um a um, acabamos removendo o muro todo.
Texto de Bel Cesar
Fonte:STUM
Perseverança e acreditar que somos capazes.
ResponderExcluirAbraço.